quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

QUANDO OS AMANTES DORMEM




Quando isso ocorre, pode ter vários significados.

Talvez um tenha lançado um apelo
silencioso ao outro:

"Ajude-me a atravessar esse sonho",
ou:
"Venha, sonhe esse sonho comigo,
é bonito demais".

E o outro, às vezes, sem se mexer,
parte em seu socorro.

É que certos sonhos, sobretudo os de
quem ama, não cabem num só corpo.

Transbordam os poros da noite e
pedem cumplicidade.

E se há um pesadelo, aí um se agarra
ao tronco do outro na crispação
do instante, e o corpo do parceiro é
bóia na escuridão.

Por isto, no ritual do casamento,
quando o sacerdote indaga se os que
se amam sabem que terão que se
socorrer na saúde e na doença, na
opulência e na miséria etc...

Deveria se inserir um tópico a mais
e advertir:

... Amar é ser cúmplice do sonho alheio.

Passar a metade da vida dormindo a
o lado do outro.

Há pessoas que vivem 25 anos -
bodas de prata,

50 anos - bodas de ouro, 75 anos -
bodas de diamante;

Ao lado do outro, e não sabem com
que o outro sonha.

E há quem passe uma tarde, uma
noite ou uma temporada ao lado de
um corpo e sabe seus sonhos
para sempre.

Engana-se quem escuta o silêncio
no quarto dos que amam.

Estranhos rumores percorrem o
sonho alheio.

Não é o rugir do tigre pelas brenhas.

Não é o bater das ondas na enseada.

Nem os pássaros perfurando
a madrugada.

São os sonhos dos amantes em plena elaboração.

E se numa noite dessas o vento da
insônia de novo soprar em suas
frestas, olhe pela janela os muitos apartamentos onde pulsam dormindo
os amorosos.

Quando se compra um apartamento
novo, nas alturas, alguns compram
lunetas e ficam vasculhando a vida
alheia.

Mas para ouvir o ruído dos sonhos
basta abrir os ouvidos na escuridão.

Os sonhos pulsam na madrugada.
Era uma vez um chinês que toda vez
que sonhava com sua amada
acordava perfumado.

Deve ser por isso que, ainda hoje,
o quarto dos amantes amanhece
com um perfume de almíscar, lavanda
e alfazema.

E é comum achar troféus dos sonhos
ao pé da cama de quem ama.

Quando se abre a pálpebra do dia,
aí pode-se ver um unicórnio de ouro
e uma coroas de rubis.

À noite os sonhos dos amantes
se cristalizam e de dia se liqüefazem
em beijos e lágrimas.

Quem ama diz boa-noite como quem abre/fecha a porta de um jardim.

Não apenas como quem viaja, mas
como quem vai para a colheita.

Quando se ama, acontece de um
habitar o sonho do outro,
e fecundá-lo.

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